Eternidade

- Alô, posso falar com a Fulana?

- Ela não chegou ainda não.

- Ah, não? Brigada.

- Nada.

Eis o diálogo que se repetiu tantas vezes durante a semana, semana esta que se resumiu a sono, cigarro e TV. TV, a maldita TV que eu tanto odeio, mas sem conseguir concentração para ler e depois de cansar de ficar sentada em frente a este objeto cúbico que se posta na sua frente no momento, o que me restou foi só TV, TV e teto, mas teto já virou quase TV, ou melhor, uma daquelas telas brancas de projeção, no caso projeção de pensamentos, sejam eles sonhos futurísticos ou lembranças intocáveis, mas serão sempre pensamentos. Eu bem que disse que era impossível essa volta repentina, e agora, por mais que eu saiba que todas as probabilidades indicam que ela vai chegar daqui a pouco, uma angústia de velho aposentado que perdeu a esperança de qualquer forma de vida toma conta de mim. É tudo muito cinza, minhas sobrancelhas cerradas e minhas mãos muito frias. Indisposta e acordada, como se tivesse bebido um balde de café acompanhado por um maço de cigarros, sensação logo justificada pela lembrança vaga de que eu consumi tais artefatos. O tempo vai parar e ela nunca vai chegar, nunca mais, e os meus sonhos serão jogados no lixo, minhas expectativas todas queimadas, eu me transformarei então não no que eu como, mas no que eu bebo e fumo, serei um grande cigarro com doses de cafeína. Wanna try? Não recomendo, só se estiver afim de prolongar suas tardes, como diria o Camus "As pessoas reclamam que a vida passa muito rápido, então deveriam passar todos os dias em filas de banco e ônibus lotados.", poderiam essas que reclamam da duração da vida sentar nessa poltrona torta agora e tentar escrever algo, realmente deveriam...